quinta-feira, dezembro 16, 2004

A mulher que só casava um dia de cada vez


Death the Bride, Thomas Cooper Gotch

Estou aqui à tua espera. Como sempre. O que importa é que adoro sentir esta espera como algo que começa e acaba em mim.

Tenho a sensação incrível da clareza de sentimentos que me assalta e me transporta de mim para ti, de ti para mim. O teu cheiro a mar sempre foi o melhor antídoto. A melhor forma de te dares a mim.


Vais e vens como se fosse natural. Normal em ti. Sinto por vezes o vazio que sentia se te perdesse. Dizes-me para não me preocupar. Que não me vais fazer mal. Que nada em ti me vai fazer mal. Acredito nas Estrelas, na Lua, no espaço que me contém. Acredito na minha transpiração misturada com a tua. Com o teu sabor e cheiro a maresia. Não me importo de te perder. Importo-me de te ir perdendo.


O teu crime foi teres-me posto assim. Ávido de esperança. De chuva na minha boca.
A sentença é teres que me amar até ao fim. De olhares para mim como ser que é. E que só é porque não se imagina sendo sem ti.

- " Vais-te embora?
- Não. Quero ficar aqui. O mundo só é sonho ao pé de ti. Lá fora perco-me, tu sabes....
- Sim.
- Casas comigo? Só hoje...... Sim?
- Sim..."

É engraçado como dispões de mim. De mim e de ti em mim....Espanto-me com a tua capacidade de decidires aquilo que quero e não quero. Os meus neurónios como íman atraídos pelo magnetismo dos teus. Dás e tiras. Ofereces a alma e retiras-me a vida........

- " Não te vais embora, pois não??
- Tenho que ir. Já é tarde......Sabes que eu ficava, mas não posso....
- Sim.....
- ................................
- Vou sentir a tua falta hoje à noite.....
- ................................"

O facto de ter a presunção de ser o centro das tuas atenções, deixa-me infeliz ao ponto de me anular a mim mesmo. De ser cada vez mais eu próprio, com toda a tristeza que isso acarreta. Vivo para ti e por ti.


Porque é que os desejos e necessidades nunca se conjugam a cem por cento?
Porque é que as almas só encontram paz quando deixam o corpo e os seus vícios? A minha vida tem mais sentido contigo. Não com aquilo que mostras que és. A diferença fundamental entre nós. O que me faz sofrer e ter medo. Muito medo.


Há muito que não choro. Basta dizer isto para soltar a primeira lágrima. Sair de mim e vê-la cair. Ter pena de mim. Ao olhar-me. Ao começar a pensar que nunca vou conseguir aquilo que procuro e necessito. Que era só isso. Ter-te. Como sentimento daquilo que é a minha essência. Daquilo que sou. Só. Isso.


A praia onde costumávamos ir está deserta. Em pleno verão está deserta. É a sensação que tenho quando olho o mar e me lembro de ti. A espuma nas rochas dura. Dura, e faz de mim peixe miúdo a debater-se na areia, a suplicar água, sal e paz e sal e água. Paz.


Paz.


O mar está transparente. Vejo-lhe o fundo sentado na areia, onde contorço as mãos agarradas uma à outra. Como se fossem as tuas mãos e as pudesse tocar. Sentir. Salvar.
O Salva-vidas mergulha e traz consigo a constatação de mais um dia passado. Mais um dia passado sem ti.


Seja.......

quarta-feira, dezembro 15, 2004

Nós


National Geographic TM

O mar tem demasiado sal. Muito sal mesmo. Enxugo as lágrimas que vêm da maré alta. Do vaivém das marés. Reconheço cada grão de sal como parte de uma vida inacabada, e desvaneço-me em cada onda só para ter um sinal de ti. Um sinal de mim.

Nós.


Saio de mim, volto a sair. Sem ter entrado. Circulo perfeito sem retorno, sem paz, sem alma que afague o sal grosso que há em mim. Limito a acção da alma às pequenas coisas. A tudo o que tem verdadeiramente importância. O pormenor de uma vida. Síntese perfeita de emoções, de devaneios. Cristalizo momentos. Com o sal que faz parte de nós. Que nos diz baixinho que quer voltar ao mar. Consolo e tormento. Alma pequena demais para sentir tanto e tão pouco. O que se quiser. Ou o que se puder. Sentir.


Nada em mim é igual a ontem. Só o essencial é parecido. És parecida com o ontem da minha vida e no entanto és presente. Estás presente. Como a Lua que ilumina os meus sonhos, pela fresta da janela do meu quarto entreaberta. Nunca pedes para entrar. Pela janela. Pela minha vida e alma adentro. Entras e pronto. E dói quando raspas no sal que me preenche. Quando me chamas dentro de mim e tocas na saudade que me sustenta. É a vida que levo e que tenho. A vida com e sem ti. Não é muito. Nem pouco.


É.

segunda-feira, dezembro 13, 2004

Caminhado e caminhante




Nem sempre conseguimos sentir o que sentimos. Temos que chamar a razão de vez em quando. Para afundar o sentimento e recomeçar. Olhar para trás. Ficar lá um bocadinho, amar mais uma vez o que amámos, respirar fundo. Ainda estamos vivos.

O sentir das coisas é sempre diferente. O espaço que habitamos dita-nos as regras e envolve-nos. Somos as presas do costume. Dou por mim a construir desejos debaixo de uma chuva incessante. Ruidosa. Perfurante. Alicerce por alicerce. E continuo a sentir-me na mesma. Vulnerável e forte. Caminhado e caminhante. Profundamente esgotado com a beleza que mais ninguém parece notar. Divorcio-me da tristeza. Caso-me com a melancolia. O papel branco das nossas vidas, ainda por assinar. É constrangedor. Eu sei.

Quando durmo sonho acordado. Cada pessoa tem o seu sonho acordado. Retiro de mim a dor física dos momentos em que me perco em ti. Sangue. Dentro de ti. Lamento a vontade de te amar. Desculpo-me. A sombra persegue a alma de quem nunca amou. Cimenta-a. Se é que isso é possível. Nunca ter amado.

Não vale a pena. Não vale a pena não valer a pena. O caminho que nos cruza e separa e nos aproxima ao mesmo tempo. Leva-me a tempo de me salvar de mim. De me salvar de ti. Faz o favor de me amares. Como nunca amaste. A borboleta nunca pousa na mesma flor.

Nunca me dás aquilo que preciso. Dás-me sempre aquilo que é suposto dar-se. Não chega. Começo a estar farto desta exigência. Desta minha exigência. Da obesidade dos sentimentos. Da angústia de ter que ser. Só porque tem que ser. Alguém disse uma vez que se alguém não tiver nada de belo para se dizer, nada mais belo que o silêncio, então que se cale. O silêncio afaga-me as palavras. Prende-as. O silêncio cria em mim a calma para enfrentar a tempestade. A sensibilidade de cada um choca com a necessidade de se ser feliz. Volta-se sempre ao ponto de partida. De forma diferente. Mas volta-se. A infinitude da alma faz confusão. Mesmo não acreditando nas palavras, elas batem forte. Como se fosse a primeira vez que as ouvimos. E a última.

Decidi não perder mais tempo. Sinto. Digo. E acabou.

Faz-me falta o teu sorriso. Agora e sempre. Porque reflecte nos meus olhos. Ficam mais bonitos. Mais verdadeiros. Mais. Mais. Mais de ti para mim. Para mim. Mais.

Mais.

sábado, dezembro 11, 2004

Criador


Mulher ao Espelho - Pablo Picasso



Às vezes penso que tudo não passa de um acumular de esperanças. As coisas que um indivíduo faz para acalentar essas esperanças sai um pouco do domínio do destino puro e simples. A barca não permanece ancorada eternamente.

Quando revejo em mim aquilo que fui, fico confuso. Confuso e desejoso que a vida passe e me mostre a solução para conseguir o que ambiciono. Tenho tanto medo que me esvaio em lágrimas descontroladamente. Medos injustificáveis....Será que os há?
Não sei que tipo de sentimento me corrói. Não sei e tenho medo de o saber. Porque tudo à minha volta é propiciador de felicidade e eu não acredito. Pelo menos totalmente. Vai passar.....vai passar por mim e recuar. Recuar de mim para mim.

Lembro-me da ilha maravilha. É estranho estar aqui e lembrar-me do que me lembro. Do que podia ter sido. Do que podia ter melhorado e a paciência que podia ter tido. É estranho lembrar-me das pessoas que conheci. Das noites em que estava em mim e ao mesmo tempo fora. A viola. As estrelas como nunca tinha visto. A Lua. O mar. O som. O silêncio. Parece que foi hoje. Parece que foi tudo. E que não volta. Nada do que foi volta. Tornamo-nos sempre diferentes. E ausentes.

Catarina queria mostrar-me o paraíso na terra. Fazia questão em proporcionar-me uma vida que existia para além daquilo que pensava poder existir. É incrível como as coisas são repentinas. Como, num momento de rotina, nunca nos apercebemos das coisas que há para viver. O dia-a-dia chega-nos perfeitamente. A vida que temos limita-nos e separa-nos de nós mesmos. Água e azeite.
Densidade dos dias.

Chegámos num dia de Sol. Com aquelas nuvens a ameaçarem o que de bom poderia vir a passar-se. Nuvens controladas pelo vento quente daquelas paragens. Sempre em sintonia com o humor das pessoas. Com o amor que as pessoas têm para dar.

A aterragem foi indigesta. Pista de relva com buracos. Nada aconselhável para quem vem a chegar do ar. Da morada dos anjos. Depois foi o esplendor. O verde da vegetação e o céu azul a lutarem pela preferência dos visitantes. Por mim, fiquei com as duas. É impossível escolher entre duas belezas tão iguais. Semelhantes até na forma de cativarem o mais comum dos mortais. A beleza suscita-nos dúvidas, eu sei.......

Caminhava junto à praia. Gritava. Sim, gritava e ninguém me ouvia. A sensação de nos perdermos no espaço. Das palavras não terem qualquer importância. Porque, simplesmente, não há ninguém para as ouvir. Só nós mesmos. E o mar que as devolve, com o sal que nos alimenta o corpo, que nos dá vida.
" Não me apetece ir embora. Não me apetece partir e ver as coisas passarem por mim como se não tivessem importância. Tens sorte. Nem imaginas a sorte que tens"

"- Porque não ficas? Vais voltar para viveres a tua vida desgraçadamente!!!!! Porque não ficas?"

" Não tenho aquilo que tu tens de sobra. Livre arbítrio. Liberdade. Coragem. Tenho muitas imagens dentro de mim para desistir da vida que tenho. A memória dos seres vivos que me dilaceraram. Que destruíram o céu por cima de mim. Que me afagam a cabeça, ao mesmo tempo que me sugam a alma. Porq......."

" Chega. Só estás assim porque queres. Porque permaneces agarrado ao passado e vives com a angústia própria da presa, momentos antes de ser caçada."

" ........Porque é que as pessoas são assim? Vivem em sociedade mas isoladas dentro dela. Partilham sentimentos como se a outra pessoa fosse um bicho, um animal selvagem, incapaz de racionalizar, gerir, pensar."

" Sempre foi assim, David. Não me digas que nunca pensaste nisso? Muito poucas pessoas conseguem transpor a vida interior cá para fora."

A vida.

Semeaste a primeira de muitas sementes. Agarro a oportunidade e ela foge-me por entre os dedos. Presos à saudade do que me resta. Não faço tenções de me ir embora sem te ver. Sem te ouvir falar. Sem saber do que falas quando soluças calma e sofreguidão.
Vou para casa e agarro-me ao cobertor de lã pura que me deste quando me divorciei. Lembras-te? Fizemos uma festa de despedida de casado em minha casa. Trouxeste o vinho, a comida e o cobertor. Ainda hoje me agarro a ele. Não que me faça lembrar de ti. A comida estava óptima....

Sento-me no café ao pé da Praça com o nome de um acontecimento importante que se passou no ano de 1910. Os pássaros zangam-se porque cortaram os galhos das árvores. Porque desrespeitaram o seu direito em benefício da estética de uma cidade oca, vazia, podre. Voam em círculos. Manifestam-se ruidosamente e ninguém liga. Já estamos habituados a ouvir o sofrimento dos outros como algo que nos toca, sem nos tocar.

Não me ligas.
Hoje já é o 23º dia que não me ligas. Pareço um pássaro sem ninho. Sem poiso. Uma ave sem espaço para viver. Mais um comprimido para afagar a alma. Para a sustentar. A irritante torneira da cozinha sempre a pingar. Sempre à espera da próxima gota. Pode ser que me salve. Pode ser que me faça adormecer. Que os meus sonhos me levem e me tragam de volta a mim mesmo. Que me façam ser criador da minha existência.

Todo o criador tem uma justificação para a sua obra.



terça-feira, dezembro 07, 2004

Ergue


Mars TM National Geographic 2003



Ergue-se. Começa a cair e sai de mim em velocidade cruzeiro. A rapidez é tanta que não tenho consciência da falta que me faz ser feliz. Só o momento conta. O momento em que tudo à minha volta gira e roda e me separa das estrelas. Me aproxima delas.
Dor.
A chuva nas nossas caras numa noite fresca de Verão. Caem que nem sementes no teu umbigo. O teu umbigo. Que me habituei a beijar, a mordiscar. Sei que queres e não podes. Que as nossas preces se concretizaram noutra vida, não nesta. Sei que andas faminta de amor, carinho, chuva na tua cara. Para te sentires melhor que eu.. Melhor.

Tiras o cachecol e falas contigo ao mesmo tempo que te digo para seres tu a falar. Conheces cada gesto, cada gota do meu suor. Canso-me de te tentar vencer, de tentar sequer beliscar-te de amor e sentimento. Não falas. Não mexes. Nem sequer gritas o meu nome dentro do carro que compraste a crédito. E que puseste em meu nome. Só para poder dizer a toda a gente que o carro “é meu! Comprei-o ontem, não é lindo??”. Nunca mais me levanto. Nunca mais me levanto e dou um pontapé no gato. Nesse estúpido gato que me ofereceste para substituir as tuas ausências. Os gatos não têm amor para dar. São como tu. Quase. Tu não tens mesmo amor para dar.

Erguer.
Começar a erguer o sentido que deste à minha vida.

As nuvens em espiral no desembaraço dos teus braços emaranhados à minha volta. Como teias desejosas de um amor profícuo. Inerte. Opaco e belo. É como me sinto a dizer-te não. Só te disse duas vezes. Não. A primeira foi quando me perguntaste se tinha deixado de ter prazer contigo. Não. A segunda foi agora.

Quando ias ao café para te consolares com o tabaco que compravas com sofreguidão. Quando lá ias sentia-me preso por não precisares de mim. Ias e vinhas com a leveza própria das penas que embalam o amanhecer em que adormeço. Passava a noite a ver-te dormir. E só descansava quando acordavas e, ainda meio ensonada, dizias que era o teu mais que tudo. O teu anjo protector. Depois acordavas e gritavas enfurecida por estar acordado. Por te fazer dizer aquelas coisas. As odiosas e abomináveis coisas que desconhecias que existiam. Tinhas sonhos bonitos com certeza. Nunca descobri se sonhavas a cores. Pela forma como os teus lábios se redesenhavam enquanto dormias, como os teus braços se levantavam sentindo as minhas mãos, os meus dedos compridos. Por vezes também te acariciavas. Tentando imitar as mãos de quem sonhavas. De quem suspiravas. Começava a suar e crescias mais um pouco para mim. Eras enorme a dormir. E eu era o teu anjo. Pelo menos era o que dizias ainda ensonada. Pouco antes de ires comprar tabaco.
E eu erguia-me para ti. Para o relevo do teu corpo. E tentava dar sentido ao que restava de mim.



segunda-feira, dezembro 06, 2004

A Noite Que Queremos


VincentVanGogh-TheStarryNight(1889)


A destruição maciça dos sentimentos. O que consegues e o que estás a conseguir. O que leva outros a entregarem-se cada vez mais. O que os faz ficar cada vez mais entregues a ti. Colados e desarmados. A ti. Comigo não. A falta de amor próprio e de respeito por mim não o permite. E duvido se alguma vez o permitirá.
Dois seres humanos cruzam-se numa infinitude de momentos. Momentos breves demais para serem considerados momentos. Deus não nos deu as palavras todas. Era fácil demais. Ter as palavras certas para os sentimentos de cada um. Certas ou erradas. Ter palavras.....Todas as palavras. A descoberta sente-se. Não se diz.

O que lamento é ver a chuva a cair e ter a sensação de que te foste e não voltas. De que nada em ti volta.
Porque é que por mais que contrairemos o que nos faz sofrer, nunca conseguimos matar a voz daquilo que subsiste? Estou a adquirir o hábito. Noite após noite. De perguntar coisas estúpidas de tão tristes que são. As respostas que surgem são sempre misericordiosas. Penosas. Quentes. Como o sol que me limita o pensamento negativo, que devia ter de vez em quando.....

Por mais que te mostre o que sinto. Nunca arranjo forma de o mostrar. Porque mostro sempre coisas que não se devem mostrar. Que magoam quem não acredita em nada. Como tu. Que faz ter medo. Do teu passado, do meu presente. Do nosso futuro. Medo e incredulidade. Equação simples de infelicidade. Sem ratoeiras. Sem desígnios fúteis. Há qualquer coisa de atroz na felicidade. Como não a descubro, vou morrendo aos poucos. Por dentro. Por fora. Por todo o lado.

A minha alma está a subir pelo esófago. A crescer. Por mim acima. Estrangula as palavras que sempre disse quando sentia. Torna-as pequenas. Limita-as ao pouco espaço que têm. Qualquer dia não preciso da boca para nada. Amo-te mais do que a minha alma e a tua juntas poderão algum dia vir a amar.

Senão ficares comigo ao menos fica contigo.....É um bem que te fazes. A mim e a ti. Porque sei que tens tudo dentro de ti para seres feliz. Não procures. A alma encarrega-se de soluçar sentimentos. Quando menos esperares terás o que procuras. Só um bocadinho. Ninguém tem aquilo que realmente quer quando tem aquilo que procurou. Só em pensamento. A confusão só existe na tua cabeça se te deixares agarrar pelo passado. Se ele te prender ao ponto de viveres o presente no pretérito passado. Não te iludas. Não me iludas ao iludir-te. Pesa bem menos olhar para trás e ficares lá o tempo que for necessário. É bem mais fácil. Mais doloroso e mais fácil. Cura-te de ti como eu me curei de ti e de mim. Liberta a angústia, a esperança angustiante de pensares que vais viver tudo outra vez. Que te dilacera. Que te faz negra. Que aumenta o carvão em brasa que alimentas com o sorriso volúvel que dás a quem te apetece. Não forces. Esforça-te. A felicidade dos que acreditam só transparece, depois do gigante adormecido não se importar de perder. Uma vez que seja. A noite é tão bonita quando a sabemos olhar.....
Não achas?

sábado, dezembro 04, 2004

Almar






Esqueço a vida que tenho e levo. Por momentos.
Sei que não o vou conseguir por muito mais tempo. Esquecer a lágrima. A alma da lágrima. O ser assim.
Não tenho culpa de me ter como sensível. De te ter como sensível. Quando se cai, cai-se mesmo. Às vezes é bom cair. E fazer a terapia à alma como deve ser. Palavra nova no dicionário.....

Almar.

O cheiro das azálias deixa-me indisposto. Falam-me de ti. Na esfera dos anjos que acreditam em mim. Sinto o teu pulsar na minha cabeça e no meu antebraço. O pulsar dos anjos em sintonia com as ondas do mar que me traz a alma a reboque. Aos poucos. Para ti.
A última vez que falei contigo cresci um bocadinho. Tinhas ainda o cabelo preso, atado, amachucado das noites de amor. Das nossas noites de amor. O brilho era diferente. O brilho dos teus olhos. Sempre diferente. “ Escusas de me falar de amor....” disseste, à medida que apoiavas os cotovelos na mesa e olhavas para o homem que fumava por detrás de mim. No decote, o teu fio azul, de influências marroquinas a brilhar para mim. “ Escusas de me falar de amor, meu querido....”, dizias enquanto o teu fio brilhava para mim. Há sempre qualquer coisa que usas que chama por mim.
“ Escusas de me falar de amor, meu querido....Sabes bem que detesto lamechices, embora tenha querido provar-te o contrário. Nunca mais me vais ver suar de amor. Nunca mais....”. Disseste.

Dói.

Saímos para a tua carrinha Volvo. Nove lugares. Para os nossos filhos pensei eu, na altura em que ainda pensava na função emotiva das carrinhas. Ter filhos. três ou quatro. Mais tu e eu. Mais o cão grande. Mais amor. Mais amor. Mais amor.
Agora compreendo o teu silêncio. Já não imploro que fales. Que me digas coisas bonitas. E que as sintas quando te falo ao ouvido, ou ao pé da boca, à procura do teu beijo condicionado às palavras que possas ou não gostar. Gostar não. Tolerar. Porque é isso que fazias e fazes. Tolerar. Como a vaca tolera o mosquito no lombo. Estás demasiado ocupada para sentires o que quer que seja. Quanto mais o amor. O amor que engrossa a alma. E a faz suar, transbordar de lágrimas desgarradas de todos os vícios que aprendemos. O ser puro. Tal e qual. A exigência é grande. Deste mundo e do outro. Só eu mesmo.
Cravas-me as unhas na pele para me sentires dar-te prazer. Fulminas-me o gosto, fazes-me fulminar-te o rosto. De desafio em desafio crias em mim o vazio de ter que te amar até ao fim. Porque amar-te é vazio, meu amor. Um vazio dócil que chama o teu nome. Visível apenas porque me dou ao trabalho de o mostrar. De te mostrar. O ponto de retorno é teu. O sonho que mataste é meu. E o chão que pisamos não é o mesmo. Nunca mais vai ser o mesmo. Mas nem tu nem eu o sabemos.

Ainda.







Eco





Muitas vezes ponho-me a olhar para cima. Para as Estrelas. E lembro-me de ti.
Muitas vezes.
O olhar de uma Estrela assemelha-se ao teu olhar. Contínuo. Despestanejante. Fixo e incrédulo. Limpa-me a alma. Aspirador astral.

Sinto que tenho calma a mais. Permito-me acreditar que tudo é possível. Que o teu amor é possível. Entrego-me com facilidade ao dom maior do Universo. Do teu universo. É fácil. Os teus braços como ramos de árvore milenar a albergar-me. À minha essência. Porque tudo o que tenho te dou genuinamente. Não espero nada em troca. Só a ti espero em troca. Tu és o nada e o tudo em mim.

Cansado.
Preciso descansar e ser o arame farpado à tua volta. Não vejo nada aqui dentro que me dê descanso. Solto gargalhadas porque sinto-me perto de alcançar o resto do que te falta para seres feliz. Se soubesses o quanto te quero, cerravas tanto os olhos que não havia lágrima que te saísse.......
Quero-te. Anseio-te. Movimentas as minhas células de forma suave, calorosa. Fazes-me inconfidências, como o luar, ao meu ouvido direito. Sinto-me perto de ti mas não consigo agarrar-te. Caminhar-te. Quando a noite vem. Depois da luz. Do eco das minhas palavras. Eco que não é eco.
Porquê?

Porque fica em ti e não volta.
Como a última lágrima que escorreu de mim......

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